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O processo administrativo sancionador e a eficiência do sistema financeiro

  • Foto do escritor: Jeff Alvares
    Jeff Alvares
  • 5 de ago.
  • 4 min de leitura


Ao lado da estabilidade, a eficiência é hoje um objetivo essencial da supervisão financeira; atingi-lo depende de que o processo administrativo sancionador seja, ele próprio, eficiente.
Ao lado da estabilidade, a eficiência é hoje um objetivo essencial da supervisão financeira; atingi-lo depende de que o processo administrativo sancionador seja, ele próprio, eficiente.

Jefferson Alvares


A função do processo administrativo sancionador é dar efetividade aos poderes corretivos e sancionatórios dos supervisores financeiros. Esses poderes são ferramentas de supervisão consagradas que permitem às autoridades fazer cessar prontamente práticas ou atividades irregulares ou temerárias das entidades supervisionadas, impondo as correções que julgarem oportunas e as sanções porventura cabíveis, de maneira célere e proporcional.


Com as crises dos últimos 50 anos,[1] acostumamo-nos a pensar na estabilidade financeira como o propósito único da supervisão — ou, pelo menos, como o propósito principal. De fato, até a crise financeira global, os poderes corretivos e sancionatórios dos supervisores bancários, assim como o processo de supervisão bancária em geral, orientavam-se para a estabilidade financeira. Desempenhavam função prudencial, voltada a assegurar o equilíbrio financeiro do bancos, de forma a evitar que problemas localizados se tornassem sistêmicos.


Os princípios de supervisão bancária da Basileia refletem esse enfoque prudencial. Afirmam que o objetivo primário da supervisão bancária é a segurança e a solidez dos bancos e do sistema bancário (princípio 1).[2] Para tanto, recomendam que os supervisores tenham o poder de restringir atividades, impor exigências prudenciais mais rigorosas, suspender a distribuição de dividendos aos acionistas, restringir as transferências de ativos, inabilitar indivíduos para exercer cargos no setor bancário e revogar a autorização de funcionamento (princípio 11).


No Brasil, a Lei 13.506, de 2017, permitiu ao Banco Central impor esse tipo de medidas no âmbito dos termos de compromisso ou de maneira cautelar. Na prática, substituiu as medidas prudenciais preventivas da Resolução 4.019, de 2011, do Conselho Monetário Nacional (CMN) para a aplicação de medidas corretivas e sancionatórias no setor bancário.


A eficiência do mercado como objetivo da supervisão bancária é um acréscimo recente. A crise financeira global, decorrente das más práticas consumeristas na oferta de crédito residencial nos Estados Unidos, evidenciou a necessidade de que a supervisão olhasse também para as ineficiências no processo de intermediação entre depositantes e tomadores de recursos.


Essas ineficiências podem ser compreendidas como vazamentos de recursos no ciclo de intermediação financeira. Um sistema financeiro eficiente ideal permitiria que a totalidade dos recursos poupados chegasse às oportunidades de investimento socialmente mais vantajosas.


No entanto, a existência de ineficiências desvia parte desses recursos para finalidades menos para a sociedade ou gera custos que reduzem o benefício social líquido que de outra forma seria obtido. São exemplos de ineficiências:


  • a assimetria de informação entre consumidores e instituições financeiras, decorrente da falta de transparência e do déficit de educação financeira;


  • o exercício do poder de mercado, que dificulta o acesso aos produtos e serviços financeiros e conduz ao aumento de preços e à redução da qualidade desses produtos e serviços; e


  • as externalidades, que podem tomar a forma de danos ambientais (e.g., mudanças climáticas), sociais (e.g., corrupção, crime) ou econômicos (e.g., manipulação do mercado).


A integração da eficiência do mercado entre os objetivos da supervisão financeira originou a atividade denominada supervisão de condutas de negócio ou de mercado. Essa abordagem foi institucionalizada em diversos países por meio do modelo twin peaks, no qual há supervisores independentes para cada dimensão.


A isso seguiu-se a edição de padrões internacionais específicos, com destaque para os documentos Supervisão de condutas de mercado — ferramental (2023), da Aliança para a Inclusão Financeira, e Princípios de alto nível para a proteção do consumidor financeiro (2022), da OCDE.


No Banco Central do Brasil, a supervisão prudencial e a de condutas estão a cargo de unidades diferentes, sob a coordenação do diretor de fiscalização. A supervisão de condutas vale-se das mesmas ferramentas de que dispõe a supervisão prudencial, inclusive em termos de poderes corretivos e sancionatórios. Contudo, há diferenças. Enquanto a supervisão prudencial usualmente se vale de técnicas quantitativas, a supervisão de condutas fia-se mais de análises qualitativas.


Além disso, o controle de condutas pode exigir outros tipos de poderes corretivos, tal como para impor o reembolso de valores cobrados indevidamente dos consumidores ou para intervir na estruturação de produtos, evitando a distribuição daqueles potencialmente tóxicos. Além disso, os poderes do supervisor podem ter como complemento mecanismos privados, por exemplo para a gestão de reclamações e a resolução de conflitos.


À diferença do setor bancário, a eficiência é um objetivo inerente à supervisão do mercado de capitais, com destaque sobre as preocupações prudenciais. Nesse mercado, as medidas corretivas e sancionatórias usualmente se destinam a efetivar a proteção do investidor e a transparência do mercado, sendo menos comum a sua aplicação com fins prudenciais. Não obstante, tanto a eficiência quanto a estabilidade do mercado são objetivos do supervisor, segundo os princípios da Organização Internacional de Comissões de Valores Mobiliários.[3]


No mercado de seguros, a supervisão tradicionalmente se pauta por considerações tanto prudenciais quanto de conduta. São igualmente relevantes a proteção dos segurados e a transparência no mercado, assim como a estabilidade tanto do setor de seguros quanto do sistema financeiro como um todo. É interessante notar que os princípios da Associação Internacional de Supervisores de Seguros são os únicos padrões setoriais a tratar especificamente e de maneira detalhada da supervisão da conduta de negócio (princípio 19).[4] 


A mesma equivalência de objetivos observa-se no que diz respeito à vigilância das infraestruturas do mercado financeiro. Nas suas áreas de competência, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) devem exercer os seus poderes coercitivos com vista à segurança e à eficiência dos sistemas de pagamentos e de processamento, liquidação, custódia, registro de valores mobiliários, em observância dos princípios do Comitê de Pagamentos e Infraestruturas do Mercado.[5] 


Concluindo, a eficiência, ao lado da estabilidade, constitui hoje um objetivo essencial da supervisão financeira em todos os segmentos. Atingi-lo depende de que o processo administrativo sancionador seja ele próprio eficiente, entregando ou negando a tutela pleiteada em celeridade. Em última instância, é a sua qualidade que assegura a efetividade dos poderes regulatórios e a confiança nas instituições responsáveis pela supervisão do sistema financeiro.


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Eventuais opiniões são pessoais e não refletem necessariamente posicionamento das instituições às que o autor é vinculado


[1] Crise do petróleo em 1973, quebra do mercado acionário em 1987, crises mexicana, asiática e do Proer na década de 1990, crise financeira global em 2007-2009 , e crise da Covid-19.

[2] Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, Core principles for effective banking supervision (2024).

[3] Objectives and principles of securities regulation (2017).

[4] Insurance core principles and common framework for the supervision of internationally active insurance groups (2024).

[5] Principles for financial market infrastructures (2012).


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