Planejamento de resolução: as recomendações internacionais e o regime brasileiro emergente
- Jeff Alvares

- 24 de jun.
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SUMÁRIO: I. Atributos Essenciais do Regime de Resolução – II. Componentes do Planejamento de Resolução: A. Plano de Resolução; B. Avaliação de Resolubilidade – III. Competência para o Planejamento de Resolução – IV. Estratégia de Resolução em Sentido Amplo: A. Funções Críticas; B. Serviços Operacionais Críticos: 1. Continuidade de Acesso a Serviços Operacionais Críticos em Geral; 2. Continuidade de Acesso a Serviços Críticos de Infraestrutura do Mercado Financeiro; C. Estratégia de Resolução em Sentido Estrito; D. Estratégia de Financiamento de Resolução: 1. Fontes de Financiamento; 2. Aspectos internacionais; 3. Aprimoramento de Resolubilidade – V. Planejamento de Resolução na Legislação Brasileira Emergente – VI. Conclusão – Referências
A crise financeira de 2007–9 revelou a insuficiência dos instrumentos e dos poderes de que as autoridades nacionais então dispunham para preservar as funções críticas (FCs) de instituições financeiras (IFs) sistemicamente importantes (IFSIs) cujas operações se tornassem inviáveis. Revelou também seu limitado conhecimento sobre a estrutura e as operações daquelas instituições, o que contribuiu para reduzir a efetividade de suas ações em prol da manutenção da estabilidade financeira sem a utilização de recursos públicos. A reação da comunidade internacional que se seguiu, na forma da edição de recomendações, buscou remediar essas deficiências, conferindo às autoridades nacionais instrumentos e poderes adequados e exortando-as a planejar sua utilização com antecedência.
Este artigo busca sistematizar as recomendações internacionais atinentes ao planejamento de resolução e avaliar, sob esse aspecto, o regime de resolução de instituições financeiras objeto do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 281, de 2019 (BRASIL, 2019). A Parte I introduz os atributos essenciais do regime de resolução, contextualizando o tema central do artigo. A Parte II apresenta o conceito de planejamento de resolução e seus componentes: o plano de resolução (PR) e a avaliação de resolubilidade. A Parte III trata da competência para conduzir o planejamento de resolução, inclusive do ponto de vista internacional. A Parte IV examina a estratégia de resolução em sentido amplo, incluindo identificação das FCs e dos serviços operacionais críticos (SOCs) e a elaboração das estratégias de resolução em sentido estrito e de financiamento da resolução. A Parte V analisa as disposições do PLP nº 281, de 2019, relevantes para o planejamento de resolução e tece recomendações de aperfeiçoamento e implementação. A Parte VI conclui o trabalho.
I. Atributos Essenciais do Regime de Resolução
A crise financeira global exigiu das autoridades dos Estados Unidos e da Europa a adoção de medidas excepcionais, com a utilização de recursos públicos, para socorrer IFSIs em situação de inviabilidade por insuficiência de liquidez ou de capital. A percepção de que tais medidas conduziam à socialização de perdas privadas e ao agravamento do risco moral no setor financeiro gerou comoção internacional. Como reação, os líderes do Grupo dos Vinte (Group of Twenty – G20) exortaram o recém-criado Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board – FSB) a desenvolver recomendações de políticas com o intuito de facilitar a reestruturação ou o encerramento das operações de IFSIs de forma ordenada e reforçando a disciplina de mercado (GROUP OF TWENTY, 2009).
Como resultado dessa exortação, o FSB (2014) identificou um conjunto de atributos reputados essenciais para a construção de um regime de resolução efetivo, isto é, que seja adequado para preservar as FCs de IFSIs inviáveis e para encerrar suas operações não críticas sem rupturas da estabilidade financeira e econômica. Sua premissa implícita é que a atividade financeira produz tanto benefícios como custos para a sociedade, e que a atuação das autoridades públicas deve almejar a maximização do bem-estar social. Dessa forma, quando as operações de uma IF se tornam inviáveis, o interesse público pode demandar a preservação total ou parcial de suas atividades, em vez do seu encerramento, de forma a evitar danos graves à estabilidade do sistema financeiro ou à atividade econômica em geral.
Como regra, a IF cujas operações se tornem inviáveis deve ser fechada e liquidada. Apenas quando haja interesse público na preservação de suas atividades, em virtude de sua importância sistêmica, é que se deve submetê-la a resolução, com o fim de reestruturar suas operações. Neste caso, a autoridade competente deve dispor de instrumentos que lhe permitam, por exemplo, alienar em bloco créditos e obrigações ou o controle da IF, criar um veículo de gestão de ativos para absorver os créditos de baixa qualidade da carteira da IF, ou constituir uma IF de transição (bridge) para adquirir os créditos de boa qualidade e os depósitos da IF em resolução e dar prosseguimento às atividades a serem preservadas.
Os instrumentos de resolução devem ser coadjuvados por poderes extraordinários de gestão, destinados a viabilizar a continuidade das atividades críticas da IF. Esses poderes devem compreender a autorização para destituir e substituir os administradores; buscar ressarcimento dos responsáveis pelos prejuízos que levaram à situação de inviabilidade; determinar a continuidade da prestação de serviços críticos por entidades do mesmo grupo financeiro; afastar o exercício de determinados direitos dos acionistas, incluindo o direito de aprovar certas transações; suspender a eficácia de cláusulas de vencimento contratual antecipado; e suspender a exigibilidade de determinados pagamentos a credores.
A principal inovação da nova sistemática reside na mudança de paradigma sobre quem deve suportar os custos do processo de reestruturação. Antes, prevalecia a noção de que certas IFs gozavam de proteção estatal implícita decorrente de seu tamanho, complexidade ou interconexão com o restante do sistema. Agora, impera o princípio de que os custos devem ser absorvidos prioritariamente pelo setor privado. Acionistas e credores desprovidos de garantia devem ter seus direitos extintos ou convertidos em instrumentos de capital, pelo mecanismo de recapitalização interna (bail-in). Para as necessidades de liquidez (ver Parte IV.D), o fundo de garantia de depósitos (FGD), composto por recursos do setor financeiro, deve contribuir até o valor total dos depósitos garantidos. Para as necessidades excedentes, um fundo de resolução deve ser criado, também com recursos do setor financeiro. Esgotadas essas fontes privadas, só então se concebe o aporte de recursos ou, in extremis, a aquisição de controle pelo Tesouro, sob condições estritas.
A despeito do interesse público que informa os instrumentos e poderes de resolução, seu exercício encontra limite nas garantias constitucionais, em especial na garantia da propriedade e da inafastabilidade do controle jurisdicional. Dessa forma, a AR está adstrita a evitar a imposição de perdas arbitrárias aos acionistas e credores, devendo esforçar-se por minimizar os custos de resolução e ressarci-los quando seus prejuízos efetivos superem os estimados se a IF tivesse sido liquidada. Além disso, os atos da AR devem sujeitar-se ao controle judicial, mediante a concessão de ressarcimento por perdas e danos, devendo os administradores da IF gozar de proteção legal quando atuem em seu estrito cumprimento.
Para que o regime de resolução seja de fato efetivo, logrando o encerramento de IFs inviáveis sem danos à estabilidade financeira e econômica e minimizando o uso de recursos públicos, a AR necessita conhecer a estrutura jurídica e operacional das IFs e dos grupos financeiros sujeitos a resolução e planejar com antecedência o emprego dos instrumentos e dos poderes a seu dispor. Nisso consiste o planejamento de resolução, examinado a seguir.
II. Componentes do Planejamento de Resolução
O planejamento de resolução consiste na elaboração do PR e na avaliação de resolubilidade das IFs e dos grupos financeiros que tenham importância sistêmica global, no mínimo, podendo o regime de resolução incluir também as IFs e os grupos financeiros de importância sistêmica doméstica (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2014).
A. Plano de Resolução
O PR é o elemento central do processo de planejamento de resolução, a um só tempo contribuindo para a avaliação de resolubilidade e resultando dela. Seu objetivo é orientar o exercício dos poderes de resolução de forma factível e crível. As informações necessárias à sua formulação provêm primordialmente do plano de recuperação e do plano de contingência das IFs, produzidos para fins de supervisão, podendo a AR solicitar informações específicas que estejam ausentes daqueles documentos. Para tanto, a AR deve assegurar que as IFs tenham sistemas de informações gerenciais (SIGs) capazes de produzir informações tempestivas, tanto para a elaboração do PR como para sua execução.
O PR contém duas partes fundamentais: a estratégia de resolução em sentido amplo e seu plano operacional de implementação. A primeira compreende a identificação das FCs da IF ou do grupo financeiro e das unidades de negócio da IF ou das entidades do grupo que as desempenhem; a identificação dos SOCs necessários para o desempenho daquelas funções, bem como das unidades de negócio ou entidades que os prestem; e a estratégia de resolução em sentido estrito, isto é, a especificação de medidas destinadas a preservar o desempenho das FCs e do acesso aos SOCs.
A segunda parte do PR veicula informações operacionais necessárias à execução da estratégia desenvolvida na primeira parte, tais como a especificação da sequência de ações compreendidas na estratégia de resolução e a estimação do tempo necessário para sua execução; a identificação das pessoas competentes para a execução dos atos preparatórios, a decretação do regime e a execução das medidas de resolução; e a descrição do procedimento e da metodologia de aferição do valor e da negociabilidade das unidades de negócio da IF, da IF como um todo, ou de outras entidades do grupo financeiro.
B. Avaliação de Resolubilidade
A avaliação de resolubilidade objetiva averiguar a exequibilidade e a credibilidade da estratégia de resolução prevista no PR e identificar medidas que possam suprir as deficiências eventualmente identificadas. A avaliação de exequibilidade busca aferir a adequação da estratégia de resolução para preservar as FCs da IF ou do grupo financeiro. Já a avaliação de credibilidade objetiva averiguar a adequação da mesma estratégia para prevenir perturbações à estabilidade financeira e à atividade econômica advindas da situação de inviabilidade instalada. À luz desse diagnóstico, a etapa final consiste na imposição de alterações à estrutura ou às operações da IF ou do grupo financeiro com o intuito de aumentar a exequibilidade ou a credibilidade da estratégia de resolução.
III. Competência para o Planejamento de Resolução
A AR do país onde a IF estiver constituída possui competência para planejar sua resolução. No caso dos grupos financeiros, a AR com competência sobre a principal IF do grupo (AR de origem) é responsável por planejar a resolução do grupo como um todo. Cabe-lhe também coordenar a atuação das ARs com competência sobre as demais IFs relevantes do grupo (ARs de acolhimento), a fim de assegurar harmonia entre os processos individuais e o grupal. Essa coordenação ocorre no âmbito de grupos de gestão de crises (GGCs), em se tratando de IFSIs globais, ou de foros de coordenação, nos demais casos. Em relação às ARs que não possuam assento nos GGCs ou nos foros de coordenação, em virtude de as IFs sob sua competência não se considerarem relevantes para o grupo, a coordenação é tem forma bilateral, desde que tais IFSIs domésticas da perspectiva das ARs de acolhimento (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2014, 2015a).
A cooperação entre a AR de origem e as ARs de acolhimento é formalizada por meio de acordos de cooperação específicos para cada grupo financeiro. Tais acordos preveem procedimentos para o compartilhamento de informações e a coordenação de ações durante o planejamento de resolução, a preparação para a decretação do regime e sua execução. Em geral, as partes estão obrigadas a fornecer as informações necessárias para o planejamento ou a execução do regime de resolução; dispensar tratamento sigiloso às informações provenientes das autoridades estrangeiras; buscar soluções cooperativas; evitar a adoção de ações unilaterais devido unicamente à decretação de medidas de intervenção, resolução ou liquidação de entidades do grupo financeiro estabelecidas no exterior; e dar execução a medidas de resolução estrangeiras, através de reconhecimento mútuo ou da adoção de medidas de apoio, na hipótese de os credores nacionais receberem tratamento igualitário no regime estrangeiro (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2014, 2015b).
IV. Estratégia de Resolução em Sentido Amplo
Esta parte examina o conteúdo da estratégia de resolução em sentido amplo, o que inclui a identificação das FCs, a identificação e dos SOCs, a formulação da estratégia de resolução em sentido estrito, e a formulação da estratégia de financiamento da resolução.
A. Funções Críticas
A identificação das FCs da IF ou de seu grupo financeiro é o primeiro passo na elaboração do PR, visto que o objetivo primordial do regime de resolução é a preservação daquelas funções. Do ponto de vista prático, a designação de uma função como crítica tem a finalidade de orientar a aplicação das medidas de resolução, preservando-se o valor da IF e evitando-se perturbações sistêmicas (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2013a).
A identificação das FCs no âmbito do regime de resolução possui paralelo com a realizada no curso regular da supervisão. A finalidade de ambas é a preservação dessas funções. Não obstante, a supervisão preocupa-se com a recuperação da condição econômica da IF, no intuito de preservar sua viabilidade, valendo-se para tanto de instrumentos de supervisão, a exemplo das medidas corretivas. Já a resolução ocupa-se da manutenção das FCs quando a IF já não é mais viável, recorrendo para esse fim a instrumentos de reestruturação operacional, mais intrusivas (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2016a).
A identificação das FCs, na fase de supervisão, está a cargo da própria IF, em seus planos de contingência e de recuperação, elaborados sob o escrutínio da autoridade de supervisão. Já no regime de resolução, a tarefa compete à diretamente à AR, com base tanto nos planos de contingência e de recuperação como em informações solicitadas ad hoc. Além disso, a diversidade de objetivos imediatos da supervisão e da resolução pode produzir avaliações discrepantes. A avaliação de criticidade para fins de resolução tende a ser mais granular e requer a identificação conjunta dos SOCs de apoio, tendo em vista a possível separação das unidades de negócio ou das entidades relevantes do restante da IF ou do grupo financeiro. Essas discrepâncias podem resultar em estratégias de continuidade conflitantes. Por essa razão, aconselha-se que as autoridades de supervisão e de resolução cooperem tanto no planejamento de recuperação quanto no de resolução, visando a harmonizar suas estratégias (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2016a).
Consideram-se FCs os serviços ofertados pela IF ao público cuja interrupção possa causar danos à própria IF, ao sistema financeiro ou à economia nacional, regional ou internacional. Em geral, constituem FCs as atividades de captação de depósitos; concessão de empréstimos; pagamentos; compensação, liquidação e custódia de ativos financeiros; e intermediação no mercado de capitais (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2013a).
A criticidade de uma função decorre de sua essencialidade para a preservação do valor da IF, para a estabilidade do sistema financeiro ou para a atividade econômica. Assim, sua aferição pressupõe a análise do impacto que sua interrupção teria para a própria IF, para o sistema financeiro e para a economia. O resultado dessa avaliação comporta gradações. Num extremo está a ausência de criticidade, a impor o encerramento da função, mediante liquidação. No outro está a criticidade absoluta, a exigir sua preservação em qualquer circunstância. O intermédio comporta graus variáveis de criticidade, os quais se refletem em distintos níveis de prioridade para a preservação das funções correspondentes (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2013a).
Além da análise de impacto da interrupção do desempenho da função, a avaliação de criticidade requer o exame do mercado no qual o a função é transacionada, com o intuito de verificar se sua prestação poderia ser substituída com facilidade. Essa análise envolve a identificação das demais IFs que desempenhem mesma função e de sua participação de mercado; do interesse de outras IFs em passar a desempenhar a função; da existência de entrantes potenciais; da existência de funções substitutas; e das barreiras à substituição (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2013a).
Ao submeter a IF à avaliação de resolubilidade, a AR poderá concluir que alguma de suas funções é demasiadamente crítica para ser preservada em consonância com os princípios orientadores do regime de resolução, notadamente a manutenção da estabilidade financeira e a minimização do uso de recursos públicos. Neste caso, poderá adotar medidas destinadas a reduzir a criticidade da função em questão, com o intuito de aprimorar a resolubilidade da IF. Tais medidas podem incluir, por exemplo, a criação de incentivos a novos entrantes ou à diversificação de fornecedores por parte dos usuários da função; a regulação do desempenho da função; ou a exigência de interoperabilidade de sistemas (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2013a).
B. Serviços Operacionais Críticos
Os serviços de apoio operacional são considerados críticos quando utilizados para o desempenho de FCs. Em geral, podem ter criticidade os serviços administrativos, de tecnologia de informação e de infraestrutura do mercado financeiro (IMF). Não se consideram críticos os serviços de gestão de recursos financeiros sem caráter operacional, tais como os serviços de tesouraria, negociação, gestão de ativos, gerenciamento de riscos e avaliação de ativos (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2013a, 2016a ).
Dado seu caráter instrumental, a identificação dos SOCs pressupõe a especificação das FCs. Geralmente, o desempenho de cada FC depende da prestação de um conjunto de serviços operacionais, nem todos os quais são necessariamente críticos. É conveniente ordenar os serviços operacionais de acordo com sua criticidade, atentando para a gravidade e a rapidez com que sua interrupção possa levar ao colapso das FCs que deles dependam (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2013a).
Em vista da possibilidade de a estratégia de resolução prever a separação das FCs pela aplicação dos instrumentos de resolução, é fundamental identificar a modalidade em que se dá prestação dos SOCs. Há três modalidades geralmente relevantes: intrainstituição, intragrupo ou extragrupo (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2016a).
Na modalidade intrainstituição, a prestadora de serviço é uma unidade de negócio da própria IF. Neste caso, as medidas de resolução para assegurar a continuidade da prestação dos serviços poderão ser impostas diretamente sobre a IF. Porém, a dependência entre a unidade prestadora serviços e a unidade responsável pela FC pode dificultar a alienação isolada desta, além de criar incertezas sobre a continuidade da prestação do serviço para os usuários estabelecidos no exterior, no caso de alienação conjunta.
No modelo intragrupo, a prestadora do SOC é uma entidade do grupo financeiro. Neste caso, a existência de acordos de nível de serviço (ANSs) permite mapear a entidade prestadora e as IFs e suas unidades de negócio usuárias dos serviços, aclarando, assim, quais desses devem ter continuidade e facilitando a alienação das IFs ou das unidades de negócio usuárias. No entanto, poderá haver insegurança sobre a eficácia dos ANSs no caso de a entidade prestadora de serviços não estar sujeita ao regime de resolução ou de falecer à AR de acolhimento poderes para efetivar a ação tomada pela AR de origem.
No modelo extragrupo, a prestadora do SOC não pertencente ao grupo financeiro. Nesta situação, os contratos de prestação de serviços geralmente são mais flexíveis, o que tende a facilitar a alienação das IFs ou das FCs usuárias dos SOC. Contudo, pode haver dificuldades se existirem restrições à cessão do ANS à IF adquirente em caso de alienação das IFs ou das FCs usuárias ou se a entidade prestadora de serviços não estiver sujeita aos poderes de resolução necessários para assegurar a continuidade da prestação do SOC.
1. Continuidade de Acesso a Serviços Operacionais Críticos em Geral
A continuidade de acesso aos SOCs é essencial para o desempenho das FCs durante o processo de resolução. Por essa razão, sua contratação deve estruturar-se de maneira a concretizar esse objetivo, podendo a avaliação de resolubilidade resultar na aplicação de medidas destinadas a mitigar o risco de interrupção da prestação dos SOCs. Para tanto, a avaliação de resolubilidade deve analisar (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2016a):
a unidade de negócios ou a entidade prestadora de serviços, devendo a primeira dispor de governança autônoma e de linhas de reporte claras, de modo a assegurar sua continuidade independente do restante da IF, e a segunda, de recursos financeiros e operacionais suficientes para continuar a prestar os serviços durante o regime de resolução;
a IF ou a sociedade gestora de participações sociais (SGPS) do grupo financeiro, as quais deverão dispor de recursos financeiros suficientes para permanecer adimplentes e de SIGs aptos a fornecer informações tempestivas sobre os SOCs, incluindo a identificação das unidades de negócio ou entidades prestadoras, das IFs e FCs usuárias, da titularidade dos bens e direitos relacionados à prestação, e das condições contratuais aplicáveis; e
os ANSs, os quais devem permanecer eficazes durante a resolução, desde que não haja inadimplemento; devem permitir o acesso das entidades prestadora e usuária aos bens e direitos relacionados à prestação de serviços mesmo após a decretação da resolução; e devem estipular estrutura de preços previsível, transparente, acorde a critérios de mercado e imune a alterações decorrente exclusivamente da decretação da resolução.
Em vista destes fatores, as medidas destinadas a aprimorar a resolubilidade podem incluir a alienação da unidade de negócio prestadora de serviços para outra entidade do grupo financeiro; a reorganização da IF para que suas unidades de negócio prestadoras de serviços possam ser alienadas rapidamente; ou a adoção de cláusula contratual prevendo a continuidade da prestação de serviços por entidade não pertencente ao grupo financeiro. Além disso, a AR de acolhimento pode buscar junto à AR de origem garantias de que as entidades prestadoras de serviços estabelecidas no exterior possuam governança e recursos financeiros e operacionais adequados para continuar a prestação de serviços às entidades usuárias sob sua competência (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2016a).
2. Continuidade de Acesso a Serviços Críticos de Infraestrutura do Mercado Financeiro
Os SOCs podem incluir os serviços prestados pelas entidades operadoras de IMFs. As providências destinadas a assegurar a continuidade de acesso aos serviços de IMF possuem peculiaridades em relação às expostas na seção anterior. A preservação do acesso da IF em resolução ou de sua sucessora à IMF depende do adimplemento constante de suas obrigações para com a IMF e para com as contrapartes nas transações nela cursadas. Por outro lado, o regulamento da IMF não deve excluir a IF por motivo único da decretação de sua resolução ou da resolução de sua controladora ou de uma sua coligada. Tampouco lhe deve impor exigências demasiado onerosas, na ausência de risco efetivo à higidez da IMF. A fim de investigar a necessidade de medidas de aprimoramento, a avaliação de resolubilidade deverá examinar (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2017):
a possibilidade de cessão dos contratos da IF cursados em contrapartes centrais a entidades que ainda não possuam acesso a tais IMFs;
a existência de mecanismos de apoio para a transferência de transações de pagamento da IF para outras entidades, tais como repositórios centrais que contenham os contratos de prestação de serviços de IMF; contratos de prestação de serviços de pagamentos, com o intuito de verificar se estão redigidos de forma permitir o encerramento ordenado das transações correspondentes, dispondo, entre outras coisas, sobre prazos de aviso prévio, cláusulas de rescisão e obrigações pós- contratuais; as minutas de contratos de transição destinados a permitir a continuidade da prestação de serviços de pagamentos pela entidade sucessora; e repositórios de informações relevantes sobre as transações de pagamento, exposições de crédito e funcionários responsáveis da IF, com a finalidade de facilitar a transferência daquelas transações a outra entidade; e
os mecanismos de contingência destinados a permitir a rápida substituição entre as participantes diretas das IMFs, em caso de resolução de uma delas, ou a permitir o acesso das IFs sem participação direta por meio de participantes diretas.
C. Estratégia de Resolução em Sentido Estrito
A estratégia de resolução consiste na definição dos instrumentos de resolução que serão utilizados para preservar o desempenho das FCs e o acesso aos SOCs. Sua eficácia é indicativa, e não vinculante, de forma que a AR pode desviar-se dela no todo ou em parte se assim julgar oportuno (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2013b). Sua elaboração depende da análise dos seguintes fatores:
estrutura jurídica e operacional da IF ou do grupo financeiro, a qual deve ser adequada para preservar o desempenho das FCs e o acesso aos SOCs;
necessidades de capital e disponibilidade de instrumentos de dívida ou de fundos próprios passíveis de utilização para a recapitalização interna, também conhecida como capacidade de absorção de prejuízos (CAP);
necessidades de liquidez e disponibilidade de fontes de financiamento (ver Parte IV.D);
pressupostos normativos para a execução das medidas de resolução, incluindo a necessidade de obtenção de autorizações regulatórias;
sujeição dos instrumentos de dívida e contratos financeiros às medidas de resolução, em particular no caso de instrumentos de dívida regidos por direito estrangeiro, celebrados no exterior ou titularizados por residentes no exterior, ou de contratos financeiros que contenham cláusula de encerramento ou execução de garantias antecipada; e
SIGs e das informações de supervisão de reporte obrigatório, de forma a permitir a execução tempestiva das medidas de resolução.
Além da estratégia principal, o PR deve conter estratégias de resolução alternativas para o caso de não ser possível implementar aquela. Tal impossibilidade pode ocorrer se as premissas do PR não corresponderem à situação enfrentada na realidade, por exemplo, no que diz respeito às causas da situação de inviabilidade da IF ou à conjuntura financeira ou econômica. Diante de sua excepcionalidade, as estratégias alternativas devem objetivar a continuidade das FCs prioritárias, que devam ser preservadas sob quaisquer circunstâncias.
Parte importante da estratégia de resolução é a estratégia de saída, isto é, a maneira como a IF resolvida ou sua sucessora poderá continuar a desempenhar as FCs preservadas como sucesso uma vez concluído o processo de resolução. Para isto, o PR deve prever medidas de apoio à viabilidade dessas funções, tais como a redução do patrimônio da IF resolvida ou a alienação de suas unidades de negócio ou do controle de entidades do grupo.
No que diz respeito aos grupos financeiros, especialmente os internacionais, a estratégia de resolução inclui a definição da abordagem a ser adotada: ponto de entrada único (PEU) ou ponto de entrada múltiplo (PEM). Na primeira, a decretação do regime de resolução ocorre por iniciativa da AR de origem e recai sobre a SGPS do grupo, cuja CAP é então utilizada para a absorção dos prejuízos de suas IFs subsidiárias, permitindo assim a continuidade de suas FCs. Na segunda, a resolução recai individualmente sobre as IFs do grupo a serem resolvidas, cuja CAP é utilizada para a absorção dos próprios prejuízos. Neste caso, o regime é conduzido por cada AR de acolhimento, sob a coordenação da AR de origem, a fim de evitar conflitos que possam exaurir os ativos do grupo como um todo – por exemplo, por meio da adoção de medidas de confinamento de ativos (ring-fencing).
A escolha de abordagem deve nortear-se pela estrutura do grupo e as características individuais de suas IFs. Em geral, a abordagem PEU é mais adequada nos casos de grupos que operem de maneira integrada, desempenhando suas FCs a partir de poucas IFs e centralizando a CAP na SGPS, em montante suficiente para absorver os prejuízos da IFs subsidiárias. Já a abordagem PEM tende a ser mais adequada para grupos menos integrados, nos quais o desempenho das FCs está a cargo de IFs dotadas de autonomia operacional e financeira, inclusive em termos de CAP, e que não raro se organizam em subgrupos nacionais ou regionais.
As duas abordagens podem combinar-se, resultando em estratégias de resolução híbridas. Isso pode ocorrer em virtude da estrutura do grupo ou de diferenças entre os diferentes regimes de resolução nacionais aplicáveis a ele. Tome-se por exemplo um grupo global organizado em subgrupos nacionais. Cada subgrupo pode ser considerado um ponto de entrada distinto, de tal forma que, da perspectiva do grupo global, a resolução siga a abordagem PEM. Da perspectiva dos subgrupos nacionais, por sua vez, a resolução poder seguir as abordagens PEU ou PEM, dependendo de qual for mais adequada à sua estrutura.
Caso a opção seja pela abordagem PEU, a avaliação de resolubilidade deve analisar:
se a SGPS é claramente identificável como ponto de entrada, está legalmente ao alcance do regime de resolução, em particular da medida de recapitalização interna, e possui CAP suficiente para recapitalizar suas IFs subsidiárias;
se a estrutura financeira do grupo permite que a SGPS assuma os prejuízos das IFs subsidiárias; e
se a SGPS atenderá efetivamente as necessidades de capital e de liquidez das IFs subsidiárias estabelecidas no exterior, incentivando as ARs de acolhimento a se abster de medidas unilaterais e a apoiar as medidas de resolução da AR de origem.
Caso o PR opte pela abordagem PEM, a avaliação de resolubilidade deve verificar:
se as entidades que servirão como pontos de entrada (as IFs subsidiárias e as SGPSs dos subgrupos) são claramente identificáveis;
se as IFs subsidiárias e as SGPSs dos subgrupos estão legalmente ao alcance das medidas de resolução, em especial da medida de recapitalização interna;
se as entidades designadas como pontos de entrada possuem CAP suficiente para absorver seus próprios prejuízos, no caso das IFs subsidiárias, ou os prejuízos destas, no caso das SGPSs dos subgrupos;
se as IFs subsidiárias possuem elevado grau de autonomia operacional e financeira dentro do grupo, de modo a facilitar a alienação de suas unidades de negócio ou a transferência de seu controle;
se o desempenho das FCs e o acesso aos SOCs estão organizados de modo a permitir a alienação das IFs subsidiárias ou de suas unidades de negócio;
se as IFs têm acesso a fontes de financiamento que lhes permitam seguir operando caso outras entidades do grupo entrem em resolução (ver Parte IV.D); e
se os SIGs das IFs subsidiárias são capazes de fornecer informações segregadas do restante do grupo prontamente.
A avaliação de resolubilidade pode revelar a necessidade de alterações na estrutura do grupo para viabilizar a execução da estratégia de escolha. São exemplos a alteração dos ANSs entre as entidades do grupo para que permaneçam eficazes em todos os países relevantes após a decretação da resolução e o desmembramento do grupo, e a limitação de exposições intragrupo para evitar o alastramento da situação de inviabilidade detectada.
D. Estratégia de Financiamento de Resolução
A continuidade do desempenho das FCs depende de que a IF em resolução tenha acesso a recursos líquidos suficientes para satisfazer suas obrigações, inclusive em moeda estrangeira. A estratégia de financiamento de resolução tem por finalidade fazer frente a tais necessidades, consistindo nos seguintes elementos: estimação das necessidades de liquidez da IF no início e no curso da resolução; análise da capacidade operacional da IF de monitorar, avaliar e reportar suas necessidades reais de liquidez; e análise das fontes de financiamento disponíveis. Os planos de contingência e de recuperação da IF podem servir de orientação em relação aos cenários de referência para a estimação das necessidades de caixa e às fontes de liquidez disponíveis para o caso de grave insuficiência de liquidez (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2016b, 2018).
1. Fontes de Financiamento
As fontes de financiamento prioritárias são as de caráter privado, começando pelos ativos da própria IF que possam ser alienados ou utilizados como garantia. O recurso às fontes públicas é subsidiário, sendo lícito apenas em caso de insuficiência das privadas. A estratégia de financiamento deve contemplar possíveis mecanismos de coordenação entre as fontes privadas e públicas. Deve também ordená-las por prioridade, em vista da estratégia de resolução adotada, de seu sequenciamento e dos potenciais obstáculos para acessá-las.
O primeiro passo é a identificação dos ativos da própria IF que se possam mobilizar de forma célere em diferentes cenários, bem como dos procedimentos operacionais para o fazer. A análise deve compreender a avaliação dos ativos de alta qualidade e livres de ônus; da capacidade operacional da IF de identificar ativos mobilizáveis e de monitorar seu nível de oneração; dos obstáculos jurídicos ou operacionais à movimentação de ativos intragrupo, em especial do e para o exterior; e da estratégia de comunicação com o mercado, no que diz respeito à decretação da resolução e à execução da estratégia de resolução.
A seguir, analisa-se a disponibilidade de fontes de financiamento de mercado sob diferentes cenários, bem como dos procedimentos operacionais para as utilizar. Os fatores relevantes incluem a situação econômico-financeira da IF; a conjuntura macrofinanceira, incluindo a liquidez dos mercados financeiros; a confiança do mercado na solvência da IF e em seu retorno à viabilidade; e a credibilidade das fontes públicas de retaguarda.
O terceiro passo é a análise da disponibilidade de fontes públicas de financiamento, incluindo suas condições e procedimentos operacionais de acesso. Essas fontes cumprem a função de reduzir o risco dos agentes de mercado que estendam recursos à IF em resolução, com vista a aumentar a disponibilidade de fontes privadas de financiamento. São fontes públicas o banco central, o FGD, o fundo de resolução e o tesouro público. A estratégia de financiamento deve também contemplar a eventual descontinuação do uso destes recursos.
O acesso aos mecanismos de assistência de liquidez do banco central deve ser granjeado apenas se a IF atender às condições legais e regulamentares para tanto. Em caso positivo, os desembolsos devem ser realizados de maneira célebre, assim que a resolução for decretada; em montante suficiente para fazer frente à resolução simultânea de múltiplas entidades; por período e a taxas adequadas para assegurar a continuidade das FCs e, ao mesmo tempo, incentivar o retorno às fontes privadas de financiamento; e sob condições destinadas a minimizar o risco moral, tais como aferição da solvência da entidade em resolução, a intensificação das ações supervisão e a criação de incentivos de saída.
2. Aspectos internacionais
Sendo parte do processo de planejamento de resolução, a formulação da estratégia de financiamento dos grupos financeiros cabe à AR de origem, em coordenação com as ARs de acolhimento. Essa coordenação é importante, por exemplo, para a determinação da forma como a liquidez intragrupo será distribuída entre as entidades operacionais, em observância da estratégia de resolução adotada, ou para a adoção de medidas preparatórias, tais como a obtenção de informações sobre as exigências de garantias e a metodologia de avaliação de ativos para acesso a fontes de financiamento no exterior; a verificação da capacidade dos sistemas de gestão de risco de liquidez das entidades do grupo de fornecer informações tempestivas; a superação de descasamentos cambais e o fornecimento célebre de liquidez em diferentes moedas; e a identificação e superação de obstáculos jurídicos ou operacionais à execução da estratégia de financiamento, tais como restrições à alocação de recursos envolvendo entidades no exterior, à concessão de empréstimos contra garantias localizadas no exterior, ou ao acesso a fontes públicas de financiamento no país de acolhimento pelas entidades operacionais do grupo que não estejam em resolução.
Já a responsabilidade pela execução da estratégia de financiamento depende da estratégia de resolução escolhida. Na abordagem PEU, a AR de origem é responsável por coordenar a alocação de liquidez entre as entidades do grupo, competindo-lhe a análise dos efeitos da liquidez das operações locais sobre o grupo como um todo. Já na abordagem PEM, as ARs de acolhimento são responsáveis pela satisfação das necessidades temporárias de liquidez das IFs sob sua competência, cabendo-lhes a verificação oposta, isto é, a análise dos efeitos da posição de liquidez do grupo como um todo sobre suas operações locais.
3. Aprimoramento de Resolubilidade
A execução tempestiva da estratégia de financiamento depende de que a resolução seja decretada assim que se instalar a inviabilidade devido à insuficiência de liquidez. Essa tempestividade pressupõe o monitoramento efetivo da sua posição de liquidez durante a supervisão e a formulação de critérios quantitativos ou qualitativos de inviabilidade por iliquidez. A avaliação de resolubilidade poderá resultar em medidas para aprimorar esses processos, tais como a exigência de reporte de informações de liquidez adicionais ou de redistribuição da liquidez intragrupo. Poderá também resultar em medidas destinadas a remover barreiras jurídicas ou operacionais à mobilização do ativo ou a sanar deficiências das fontes públicas de financiamento no que diz respeito, por exemplo, ao método de avaliação de instrumentos financeiros, aos critérios de aceitação de instrumentos financeiros em garantia, aos mecanismos de gestão de riscos e à estrutura de governança.
V. Planejamento de Resolução na Legislação Brasileira Emergente
A exposição de motivos que acompanha o PLP nº 281, de 2019, declara que seu objetivo primordial é alinhar a legislação brasileira às recomendações internacionais em matéria de resolução de instituições financeiras. Em larga medida, o PLP logra seu intento, incorporando em seu texto os atributos essenciais dos regimes de resolução apresentados na Parte I. A notável exceção diz respeito ao planejamento de resolução.
Como visto anteriormente, o planejamento de resolução é parte fundamental do regime de resolução. Por sua importância, suas disposições fundamentais devem ser veiculadas em lei, podendo-se disciplinar em regulamento o procedimento e os aspectos técnicos de execução. Entretanto, o PLP sequer menciona o planejamento de resolução, o plano de resolução ou a avaliação de resolubilidade. Tudo o que faz é dispor sobre o plano de recuperação (artigo 6º, I) e as medidas corretivas (as quais denomina “preventivas” – art. 7º), os quais são instrumentos de supervisão e antecedem, pois, o regime de resolução.
Curiosamente, o PLP dispõe, no artigo 6º, II, sobre o “plano de saída organizada”, cuja elaboração está a cargo das próprias entidades sujeitas a resolução e no qual lhes cumpre “[indicar] as medidas para a consecução dos objetivos desta Lei na hipótese de ser necessária a decretação de regime de resolução”. O PLP distancia-se das recomendações internacionais neste ponto, incumbindo as IFs de planejar sua própria resolução.
Tal decisão constitui grave desvio. O FSB (2014) recomenda que a própria AR elabore o PR, a partir de subsídios fornecidos pela IF, a fim de evitar conflitos entre o interesse das pessoas a ela vinculadas – nomeadamente, seus acionistas, credores e administradores – e o interesse público. É o interesse público que deve guiar o processo de planejamento de resolução, e a AR é a entidade legitimada para atuar na sua promoção. É ela, e não a IF privada, que deve identificar as funções cuja preservação é de interesse da sociedade, assim como é ela, e não a IF, que deve determinar a melhor maneira de utilizar os instrumentos e os poderes sob sua alçada para atingir tal finalidade.
Não obstante, a redação do artigo 6º, II, é ampla o bastante para permitir que sua execução ocorra em conformidade com as recomendações internacionais. O regulamento de execução a que se refere o parágrafo 4º do artigo 6º poderia estabelecer um regime completo de planejamento de resolução e atribuir sua condução à AR. Nesse regime regulamentar, os planos de saída organizadas teriam a função de veicular subsídios necessários para o planejamento de resolução, à semelhança dos formulários de apresentação de informações cujo preenchimento é obrigatório na União Europeia (2016b).
Esta medida sanaria uma das principais deficiências do PLP. Restaria outra, no entanto, nomeadamente a ausência completa de parâmetros para a condução do planejamento de resolução. Tal lacuna também poderia ser sanada em nível regulamentar. Nessa linha, caberia ao regulamento estabelecer a disciplina dos seguintes temas: objeto e âmbito do planejamento de resolução; elaboração do PR, incluindo o dever de prestação de informações; avaliação de exequibilidade e credibilidade da liquidação; formulação da estratégia de resolução; avaliação de exequibilidade e credibilidade da estratégia de resolução; e poderes para reduzir ou eliminar impedimentos à liquidação ou à resolução.
VI. Conclusão
As recomendações internacionais em matéria de resolução de instituições financeiras contemplam um conjunto coerente de medidas destinadas a sanar as deficiências regulatórias que contribuíram para a eclosão da crise financeira global. Em particular, o processo de planejamento de resolução constitui exercício necessário de racionalização da aplicação do novo regime, e como tal é um de seus aspectos mais importantes. O PLP nº 281, de 2019, logra em grande medida alinhar o ordenamento jurídico brasileiro ao estado da arte internacional.
Entretanto, seus desvios e suas lacunas, no que diz respeito ao planejamento de resolução, constituem deficiência grave, passível de saneamento através da correção do PLP ou da edição de uma regulamentação adequada. Espera-se que o presente artigo tenha contribuído para conscientizar o público sobre essas deficiências e para propor soluções para o aperfeiçoamento do arcabouço normativo.
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