De volta ao Proer ou rumo ao futuro?
- Jeff Alvares
- 6 de jun.
- 4 min de leitura

A imprensa tem noticiado que o Banco Central e o governo estão trabalhando num projeto de lei destinado a substituir os atuais regimes especiais bancários e que, entre outras medidas, autorizará o uso de recursos públicos no socorro a bancos em dificuldades. A primeira impressão é de que se trata de um retrocesso, dada a inevitável associação com o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, o Proer, que forneceu mais de R$ 70 bilhões em linhas de crédito a valores atualizados para a reestruturação de bancos privados em decorrência da perda de receitas inflacionárias ocasionada pelo Plano Real. Pode ser, no entanto, que o Brasil não esteja voltando ao passado, mas sim alinhando-se às recomendações internacionais produzidas após a crise financeira global com sua própria contribuição.
No período de 2007-9, várias instituições financeiras nos Estados Unidos e na Europa foram socorridas com o aporte de recursos públicos. A socialização de perdas privadas e o agravamento do risco moral no setor bancário gerou comoção na comunidade internacional, uma vez que os riscos da atividade financeira não conhecem fronteiras diante da integração dos mercados. Como reação, em 2009 os líderes do G-20 exortaram o recém-criado Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, em inglês) a formular recomendações para as autoridades nacionais sobre como encerrar as atividades de bancos inviáveis de maneira ordenada e reforçando a disciplina de mercado.
Essa exortação resultou no documento "Key Attributes of Effective Resolution Regimes of Financial Institutions" (Atributos Básicos dos Regimes Efetivos de Resolução de Instituições Financeiras), produzido com a participação do Brasil, como membro do G-20 e do FSB. A premissa implícita dos "Key Attributes" é de que a intermediação financeira produz tanto benefícios quanto custos para a sociedade, e de que a atuação das autoridades públicas deve almejar a maximização do bem-estar social. Dessa forma, quando um banco se torna inviável, o interesse público pode demandar a preservação total ou parcial de suas atividades, em vez do seu encerramento, de forma a evitar danos à atividade econômica ou o contágio ao restante do sistema financeiro.
Como regra, os bancos considerados inviáveis devem ser fechados e liquidados. Apenas quando a preservação de suas atividades seja do interesse público é que o regime de resolução deve ser instaurado, com o fim de reestruturar suas operações. A autoridade competente deve adotar as medidas mais adequadas em cada caso, recorrendo a soluções de mercado, tais como a alienação de créditos, obrigações ou ações dos bancos em resolução a entes privados, ou a medidas administrativas, tais como a criação de empresas de gestão de ativos para absorver créditos de baixa qualidade, ou de bancos de transição (bridge banks) para adquirir créditos de boa qualidade e depósitos.
A principal inovação dos "Key Attributes" é a mudança de paradigma sobre quem deve suportar os custos da reestruturação bancária. Antes, prevalecia a noção de que certos bancos gozavam de proteção estatal implícita decorrente de seu tamanho, complexidade ou interconexão com o restante do sistema. Agora, impera o princípio de que os custos devem ser absorvidos prioritariamente pelo setor privado.
Acionistas e credores desprovidos de garantia devem ter seus direitos extintos ou convertidos em instrumentos de capital, pelo procedimento de recapitalização interna (bail-in). A seguir, o fundo garantidor de depósitos, composto por recursos do setor bancário, deve ser chamado a contribuir até o limite dos depósitos garantidos no banco em resolução. Para as necessidades excedentes, um fundo de resolução bancária deve ser criado, também com financiamento dos bancos.
Esgotadas essas fontes privadas, só então é concebível o aporte de recursos pelo Tesouro, como última linha de defesa do interesse público. Neste caso, condições estritas devem ser observadas, como a temporariedade do aporte, a obtenção de retorno razoável e a limitação de distorções à concorrência.
A legislação que embasou o Proer não seguia esses princípios, em particular quanto à imposição do ônus sobre o setor privado e quanto ao detalhamento de condições para os desembolsos do Tesouro. Além disso, permitia ao Banco Central financiar operações de reestruturação com recursos da reserva monetária ou por adiantamentos à conta do orçamento da União, comprometendo a política monetária. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) dificultou o uso de recursos públicos, passando a exigir autorização prévia do Congresso, sob a forma de lei específica. Se acertou ao limitar o aporte de fundos orçamentários, a LRF errou ao submetê-lo caso a caso ao lento processo político do Congresso, ao não normatizar os critérios de desembolso e ao não proscrever o uso de recursos do Banco Central para financiar medidas de reestruturação bancária.
A reforma legislativa ora em gestação poderia corrigir esses equívocos. O ideal seria conferir uma autorização legislativa permanente ao Tesouro para efetuar desembolsos à conta do orçamento público com rapidez, caso as fontes de financiamento privado se esgotem. Tal autorização deveria ser inespecífica, prevenindo assim favorecimentos a pessoas politicamente conectadas. Quanto ao Banco Central, sua atuação deveria ser limitada ao fornecimento de assistência de liquidez a bancos solventes e viáveis.
A legitimidade da difícil decisão de financiar a resolução de bancos inviáveis com recursos orçamentários reside no interesse público em colher os benefícios da intermediação bancária privada, apesar de seus riscos. Se seguir as recomendações internacionais, a nova lei sepultará o regime do Proer e corrigirá as deficiências da LRF, contribuindo para assegurar um sistema bancário que agregue valor para a sociedade.
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