FGC e resolução bancária: uma agenda para evitar a próxima crise
- Jeff Alvares
- 31 de mai.
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Atualizado: 2 de jun.

A recente instabilidade do Banco Master acendeu um alerta para fragilidades latentes na rede de proteção sistema financeiro nacional. O Banco Central (BC) está proibido de atuar como prestamista de última instância em sua plenitude e não dispõe de instrumentos efetivos de resolução bancária. Na ausência destas funções essenciais para o gerenciamento de crises, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) acabou assumindo responsabilidades excessivas, em detrimento da segurança e da eficiência do sistema.
A rede de proteção do sistema financeiro consiste das funções de supervisão, destinada a zelar pela segurança e a solidez individual dos bancos; de assistência de liquidez de emergência, voltada a satisfazer as necessidades imediatas de caixa de bancos solventes; de resolução, responsável por preservar as funções essenciais de bancos cuja continuidade operacional se tenha tornado inviável; e de garantia de depósitos, cujo propósito é preservar a confiança do pequeno poupador, evitando corridas bancárias.
O histórico de instabilidade do sistema financeiro nacional tornou a supervisão bancária brasileira conservadora, sobretudo após a experiência traumática do Proer, nos anos 1990. O BC adotou os padrões de supervisão e de capital da Basileia mesmo antes de ter assento à mesa, e aplica-os com zelo. É alta a aversão ao risco de reputação que adviria da quebra de um banco sob a sua supervisão — não obstante a falência cumpra a função essencial de depurar a economia de mercado das empresas menos eficientes. A aversão é ainda maior diante da possibilidade de diretores e servidores terem de responder à Justiça pelas más decisões negociais dos controladores e gestores das instituições falidas.
Outro fator que contribui para a ênfase do BC nas ações de prevenção é a ausência de poderes efetivos para lidar com bancos em crise. Primeiro, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal o impediu de atuar plenamente como prestamista de última instância, limitando a um ano o prazo das suas operações de assistência de liquidez. Segundo, porque lhe falecem poderes efetivos para encerrar as atividades de bancos a caminho da falência de maneira ordenada e reforçando a disciplina de mercado.
Quando a continuidade operacional de um banco se torna inviável, os modernos regimes de resolução bancária buscam preservar as linhas de negócio que sejam essenciais para os depositantes e para o restante do sistema financeiro, liquidando o restante. Para tanto, estão disponíveis instrumentos como a alienação de créditos e depósitos ou a transferência de controle acionário seja a entes privados ou a entidades criadas para tal fim, como veículos de gestão de ativos ou bancos de transição (bridge banks). Também estão presentes fontes de custeio privadas, afastando a expectativa de socorro público. A primeira fonte são os próprios acionistas e credores desprovidos de garantia, por meio da recapitalização interna (bail-in). A seguir vêm o fundo garantidor de depósitos, até o limite da garantia, e, para as necessidades excedentes, um fundo de resolução.
A baixa tolerância a riscos do BC, somada ao seu arcabouço limitado de gestão de crises bancárias, levou à hipertrofia do mecanismo de garantia de depósitos, a cargo do FGC.
A função da garantia de depósitos é evitar corridas bancárias, preservando a confiança do pequeno poupador. A sua introdução nos Estados Unidos, como parte das reformas pós-Grande Depressão, inaugurou décadas de estabilidade no sistema bancário americano, com notável redução na frequência e severidade de crises até os anos 1980. Após a crise financeira global de 2008, os fundos de garantia de depósitos assumiram papel central nos regimes de resolução bancária. Além de proteger os depositantes em caso de insolvência, passaram a financiar a reestruturação de bancos em dificuldade, na medida em que evitar a quebra seja mais barato do que reembolsar os depositantes.
Tal qual uma apólice de seguro, a garantia de depósitos induz à complacência por parte de quem desfruta da proteção — no caso, os depositantes. Este comportamento leva-os a alocar recursos para bancos mais arriscados em busca de maior remuneração. É a "seleção adversa", que descreve o caso do Banco Master e o seu CDB a 140% do CDI.
Para mitigar este efeito, a garantia deve limitar-se aos depósitos, não se estendendo a outros instrumentos de dívida bancária. Entre os depósitos, a cobertura deve ater-se aos de varejo, cujos titulares são menos capazes de avaliar os riscos bancários. Ainda assim, a cobertura não deve ser plena, incentivando os depositantes a colocar os seus recursos em bancos saudáveis. Além disso, os bancos associados devem contribuir para o sistema proporcionalmente ao seu nível de risco, compensando, assim, o subsídio de que gozam.
O FGC administra um sistema de proteção de "créditos", e não só de depósitos. Estão no seu escopo instrumentos de menor liquidez como letras de câmbio e hipotecárias, letras de crédito imobiliário, do agronegócio e do desenvolvimento, e até mesmo operações compromissadas. O nível de cobertura ordinária — R$ 1 milhão por cliente, sendo R$ 250 mil por banco — também está além do ideal, já que resulta num volume de cobertura de 50% do total. Na comparação internacional, estamos ao lado de Estados Unidos e Japão, cujos sistemas de garantia de depósitos enfrentam críticas constantes de risco moral.
O FGC protege também depósitos de até R$ 40 milhões por titular por grupo financeiro, sem limite global, extensível a R$ 400 milhões, no caso de depósitos interbancários. São os depósitos a prazo com garantia especial (DPGE). Esta garantia foi instituída durante a crise financeira global e atualizada na pandemia de Covid-19 para evitar a quebra de bancos diante da elevação dos juros de mercado. Este tipo de cobertura ilimitada justifica-se como medida emergencial para prevenir crises sistêmicas, mas a sua extinção não deve tardar. Contudo, o DPGE perenizou-se, tornando-se fonte de sustento para bancos menos eficientes que não sobreviveriam sem este subsídio às suas captações.
Além disso, o modelo de financiamento do FGC deveria ser sensível ao risco. Hoje, as contribuições dos bancos associados são proporcionais ao seu volume de créditos cobertos, sem levar em conta a robustez financeira de cada instituição. Um sistema que precificasse o risco de cada banco de forma mais precisa incentivaria a prudência nos seus negócios, protegeria os recursos do FGC e eliminaria a distorção concorrencial advinda do subsídio que os bancos mais seguros fornecem aos mais arriscados.
O mandato do FGC também está sobrecarregado. Após a crise financeira global, o fundo passou a fornecer assistência financeira aos bancos associados, inclusive de liquidez. Esta autorização permitiu-lhe não só atuar no financiamento de medidas de resolução, seguindo a tendência internacional, mas também conceder empréstimos e garantias a bancos em funcionamento — operações chamadas de open-bank assistance. Na prática, passou a exercer a função de prestamista de última que caberia ao BC, incorrendo os riscos inerentes a estas operações sem, contudo, dispor do poder de emitir dinheiro, de expertise técnica, e de legitimidade democrática para desempenhar tal papel.
O BC chega aos 60 anos desprovido de um arcabouço de gestão de crises compatível com os avanços que obteve na supervisão bancária e na política monetária. O FGC tem suprido esta lacuna de maneira imperfeita, prestando garantias excessivas, que enfraquecem a disciplina de mercado e favorecem os bancos menos eficientes, e concedendo assistência de liquidez sem se sujeitar a regras de mitigação do risco moral.
O Brasil precisa aprovar o projeto de lei complementar nº 281, de 2019, que introduz um regime de resolução bancária moderno, repensar a restrição da LRF à atuação do BC e atualizar o arcabouço do FGC segundo as melhores práticas internacionais. Trata-se de uma agenda urgente para a segurança e a eficiência para o sistema financeiro nacional.
Jefferson Alvares é procurador do Banco Central e mestre por Harvard. Foi membro do secretariado do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) e advogado do Fundo Monetário Internacional. Escreve em caráter pessoal.
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